Postado por INEST em 27/fev/2018 -

É com tristeza e consternação que o Instituto de Estudos Estratégicos comunica o falecimento de Theotônio dos Santos Júnior, Professor Emérito e Titular da Universidade Federal Fluminense e um dos maiores teóricos no campo da economia política internacional.
Nascido na cidade mineira de Carangola, em 11 de novembro de 1936, aos doze decidiu ser professor para ter tempo de escrever obras literárias. Sua formação intelectual precoce, seria marcadamente influenciada pelo desenvolvimentismo que caracterizou o segundo governo Vargas e o governo de Juscelino Kubitschek.
Mas outras e diversificadas referências teóricas o influenciaram definitivamente. Aos 15 anos, quando ainda morava em Muriaé, criou o jornal A Voz Juvenil para criticar as autoridades locais. Aos 16, já havia percorrido as páginas dos anarquistas, dos clássicos de Marx, dos cânones do democracia estadunidense, incluindo aí a biografia de Abraham Lincoln. Foi nessa época que ele passou a ser um voraz leitor do Jornal de Debates e do FLAN, o primeiro, vinculado ao Partido Comunista e o segundo, ao Movimento Nacionalista Brasileiro, aproximando-se então do pensamento de esquerda brasileiro.
Antes de completar 21 anos, Theotônio dos Santos já havia lido os grandes nomes do pensamento político e social brasileiro, tais como Arthur Ramos, Costa Pinto, Euclydes da Cunha, Gilberto Freyre, Hélio Jaguaribe, Joaquim Nabuco, Josué de Castro, Oliveira Viana, Sérgio Buarque de Holanda, entre outros. Ainda como estudante secundarista conheceu Guerreiro Ramos, de quem se tornou amigo e orientando. Ramos foi de grande influência na formação de Theotônio dos Santos, levando-o a estudar profundamente o marxismo.
A década de 1960, marcada pela polarização ideológica e grande desigualdade social, foi o terreno fértil no qual Theotônio dos Santos passou a exercer a militância política em paralelo com a carreira acadêmica. Em 1961, terminou a graduação em Administração, Sociologia e Política na Universidade Federal de Minas Gerais. Em 1964, concluiu o mestrado em Ciência Política na Universidade de Brasília, defendendo a dissertação As Classes Sociais no Brasil: Primeira Parte – Os Proprietários, fruto de sua análise marxista sobre o país. No mestrado não somente teve contato com os nomes da pensamento econômico e da história brasileira como Celso Furtado, Roberto Simonsen, Caio Prado Júnior, Victor Nunes Leal, como foi aluno do historiador marxista e general Nelson Werneck Sodré. Foi também na UnB que Theotônio conheceu André Gunder Frank, Rui Mauro Marini e Vania Bambirra, alguns dos nomes mais expressivos com quem ele compartilhou suas ideias seminais sobre a Teoria da Dependência.
Em 1985 obteve o Doutorado em Economia por Notório Saber pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e, em 1993, o Doutorado em Economia, também por Notório Saber, desta vez pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Ambas as conquistas o permitiram que ele fosse aprovado em concurso público para professor titular nas duas universidades. NA UFMG permaneceu por pouco tempo, já que, em 1988, foi reintegrado pela Lei da Anistia como Titular no Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, onde se aposentou em 1992.
Com o golpe de 1964, acabou sendo demitido da UnB e passou a viver, clandestinamente, em São Paulo. Sua militância ativa na Política Operária (Polop) e a situação em que mergulhou o país, em crise desde 1961, inspiraram Theotônio dos Santos a refletir sobre a ameaça de novos golpes na América Latina resultantes, em medida considerável, a seu ver, dos interesse do capital estrangeiro. Em 1966, vivendo exilado no Chile, e buscando entender os impasses e avanços das nações latino-americanas, passou a defender a tese de que o desenvolvimento na América do Sul e, de resto, na periferia sob hegemonia capitalista, era limitado, pois apoiava-se em uma relação de dependência. Essas ideias ganharam corpo definitivo em seu livro Socialismo ou Fascismo: O Dilema da América Latina, lançada em vários países.
A produção acadêmica em terras chilenas resultou em uma série de livros que influenciaram gerações. Após o golpe de Estado de 1973, passou a viver no México. Incorporado à Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), se dedicou a refletir sobre a formulação de um sistema mundo a partir dos ciclos históricos e econômicos. Sua produção se intensificou na forma de livros, artigos, palestras e conferências na Europa e nos Estados Unidos. Mas tarde elas alcançariam notável projeção na África do Sul, China, Índia, entre outros. Nessa época, Theotônio dos Santos foi um dos articuladores do Conselho Latino-americano de Estudos sobre a Paz.
Ao retornar ao Brasil em 1979, com a anistia política, teve dificuldades na reinserção na vida acadêmica do país, passando a trabalhar, nos inícios dos anos 1980, no Núcleo de Pesquisa e Pós-graduação do Instituto Metodista Bennet, no Rio de Janeiro, onde foi colega de Antônio Celso Alves Pereira, Carlos Nelson Coutinho, Eurico de Lima Figueiredo, Gisálio Cerqueira Filho, Leandro Konder, Moniz Bandeira, entre outros. Logo procurou, também a militância política, aproximando-se de Leonel Brizola. Foi um dos fundadores do PDT, concorrendo ao governo do Estado de Minas Gerais, em 1982, e ao cargo de deputado federal, em 1986. Em seu Memorial, escrito em 1994 para concurso de Professor Titular da Universidade Federal Fluminense, escreveu com bom humor: “Minhas espetaculares derrotas nestas ocasiões me permitiram sempre voltar as minhas atividades acadêmicas, mas não me permitiam deixar de lado a realidade brasileira”.
A vida de Theotônio dos Santos foi marcada por insistente procura pelo conhecimento em relação tantos aos problemas brasileiros, quanto à desigualdade em nível global. Sua extensa obra – 38 livros, 78 livros em co-autoria e 150 artigos acadêmicos – cobriu os campos da Economia Política, das Relações Internacionais, da História Econômica, dos Estudos Estratégicos, projetando-o como um dos mais renomados economistas da contemporaneidade, traduzido em 16 idiomas. Sua última vinculação formal à docência e à pesquisa ocorreu em 2017, quando foi convidado pelo professor Eurico de Lima Figueiredo, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos Universidade Federal Fluminense, o INEST-UFF, para fazer parte, como Professor Visitante, do Programa de Pós Graduação em Estudos Estratégicos (PPGEST).
O INEST-UFF presta homenagem, reconhecimento e agradecimento pelo convívio, pelo exemplo e pela amizade com que fomos brindados, assim como se solidariza com os familiares e amigos de Theotônio dos Santos nesse momento de consternação, tristeza e luto.